
Por Prof.N’gola Kiluange
Washington D.C – Quando os portugueses abandonaram a cadeia de São Paulo de Luanda, longas semanas antes de declarada a independência nacional,senti-me moralmente obrigado de aí entrar e ver com os meus próprios olhos as estruturas de uma das carnificinas mais selváticas da noss cidade capital…
Os gritos e as súplicas dos torturados, invasivos aos meus ouvidos,a menos de 350 metros de distância, principalmente, no meio da noite,por muitos longos anos, ofuscaram-me de calcular os riscos inerentes à tal decisão…
Morava na rua B5…e para chegar a escola primária São Domingos… passava sempre pela entrada principal dessa cadeia todos os dias úteis de semana, excepto fins-de-semana e feriados … Fazia semelhante percurso aos domingos de manhã quando ía à igreja São Domingos, e sempre acompanhado da minha avó Maria Mujito ou outros membros da minha família.
Posto lá dentro comecei por visitar as torres de vigia com vista para ruas das Bês e Cês… entrei e fui para algumas celas do primeiro andar… pus-me numa das janelas de barras verticais de ferro encobertas de betão, imitando os reclusos do tempo colonial..que acenavam as suas roupas aos transeuntes que passavam ao redor da cadeia…Que destino terão tido essas pobres criaturas?
Aparentemente, os portugueses saíram às pressas… deixando para trás evidências de abusos e violações de direitos humanos: documentos relativos à defesa e à segurança classificados “confidencial”,instrumentos de tortura, etc,etc,etc.P’ra onde foi parar todo esse material?
Depois de sair de lá… esperava nunca mais ter de voltar ou estar de perto dessa carnificina por qualquer razão que fosse…
Estava redondamente enganado…bastou apenas menos de 20 meses para me ver amontoado no grupo das mães idosas,incluindo a minha avó Maria Mujito, que se reunia do nascer ao pôr do sol, durante todos os santos dias a procura dos seus filhos, maridos ou outros entes queridos…
Posicionavam-se ao lado das residências próximas da entrada traseira da prisão… e pelas manhãs, antes de ir às aulas, ficava para ouvir as suas preces, cantos religiosos e tradicionais… e sempre que pudesse passava as manhãs inteiras para testemunhar como os dias se desenrolavam regularmente…
As velhas eram frontais e determinantes.. Sabiam que não tinham nada a perder… pois, foi nesse grupo onde saiu a iniciativa de ir queixar-se à mãe de Agostinho Neto…
Onambwé,Carlos Jorge,Miguel de Carvalho, etc., preferiam usar a entrada da frente da cadeia para evitar insultos ou pragas que as velhas lhes reservavam…
Carlos Jorge era provavelmente um dos mais odiados do grupo… às vezes que entrava pela porta de trás choviam-lhe montões de insultos verbais proferidos, principalmente, em Kimbundu… era visível a sua covardia e desconforto…e escudava-se sempre na proteção dos seus guarda-costas para o alívio…
Apesar de muitas dessas nossas mamães grandes terem morrido de amargura ou desgosto e sem nunca saberem do paradeiro dos seus entes queridos…. Agostinho Neto, no seu discurso de 26 de Julho de 1979, na cidade de Menongue, acabou por dar o braço a torcer : “quantas pessoas, hoje, se queixam da DISA? Justa ou injustamente… Mas queixam-se. Não há nenhuma semana que eu passe sem receber cartas de famílias a dizer que ‘o meu filho desapareceu’. Depois, camaradas, eu não sei o que vou responder. O que é que eu hei de dizer? Eu é que sou o responsável. Quando desaparece um filho, um pai, um avô, uma mulher, um cunhado, etc., eu é que sou o responsável. E o que é que eu vou dizer?”.
Washington D.C
Prof.N’gola Kiluange ( Serafim de Oliveira)
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